O Ser e as três dialécticas
Não é o ser para Mim que me oprime, mas talvez as três dialécticas primevas que me afligem, nesta relação difícil, na consciência da relação do Eu com Mim mesmo (é esta relação recíproca que eu chamo espírito): finito/infinito, temporal/eterno e necessário/possível. Alguém disse (Kierkegaard) que nós éramos uma (pequena) síntese entre estes termos opostos - haverá ser em posição mais delicada e ingrata, no devir, que o ser humano, mero fantoche da sua condição de pêndulo entre estes três conjuntos de extremos que se repelem? Sou então a síntese entre o finito e o infinito? Mas quando grito para o infinito desolado, não há resposta possível - o eco exige uma superfície, por mais ténue que seja, para poder ripostar devidamente, mas nada, só sobra um vazio grotesco. Síntese entre temporal e eterno? Eu choraria a falta de tempo, se fosse eterno, e procuraria o eterno se a minha alma não o fosse - preciso que o clarão da minha existência tenha o fulgor necessário para iluminar os dois túneis de trevas que o engolem, até aos confins do eterno. Síntese entre o necessário e o possível? Não gosto de saber que sou o caminho percorrido no mundo das possibilidades, imenso e mutável, de acordo com o necessário e o acaso até à minha própria definição.
Há uma resposta adequada para estes três dilemas. Se é nestas três dialécticas que assenta a relação estabelecida, do Eu com Mim mesmo, então se o Eu humano é esta relação da relação com ela mesma e, ao relacionar-se com ela mesma, relaciona-se com mais alguma coisa - é perante este Algo que eu tenho de Ser. Há quem lhe chame Deus. Há quem lhe chame Humanidade. Há quem lhe chame Utopia. Há quem lhe chame Amor. Devido ao meu ateísmo e desconfiança, as minhas hipóteses são reduzidas. O importante é ser único e intrínseco, transparente e total perante esse Algo e nesse Algo. Gostaria que esse algo fosse o Amor. Com ele o mundo espraia-se até à medida máxima do universo e o infinito habita no clarão curto da minha existência; vive-se a eternidade nos cantos mais ínfimos , mais recônditos, mas mais infinitos da alma humana - ou seja, o desespero que o infinito sente pela ausência de finitude e o desespero que o finito sente pela ausência de infinitude esgotam-se na ânsia interminável do amor eterno. E se nos mora o acaso ou o necessário, sabemos que foi uma escolha gloriosa, decisão cósmica ininteligível, a que nos uniu na filigrana da vida, sustentada no vasto jogo dos possíveis e sussurrada ao nosso ouvido, de forma tépida e serena.
Munch O grito
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