Saturday, August 25, 2007

A transcendência do Amar



Creio que é o sentimento de perda do auto-domínio que mais aprecio no amor. Saber que não fui eu que escolhi amar, nem quem amar, nem quando amar. É um sortilégio divino, do qual somos meras peças e estamos conscientes de forma estóica: é algo que nos ultrapassa e não é tangível- é o facto de não haver uma escolha consciente que deixa este calor no peito?-, mas esta impotência nos factos não é um fardo, como o é quotidianamente na nossa mísera condição. Pelo contrário, estou em perfeita harmonia com o Universo, sou mais um dos seus prolongamentos, sei que sou Ele também, consigo tomar os meus desejos por realidades, sinto-me uma centelha ínfima de poder dentro da massa infinita e caótica do Mundo, inapreensível para mim. É verdade que, tal como Nietzsche, já ultrapassei todas as transcendências e aboli todo o o tipo de ídolos, e desprezei qualquer entidade exterior (superior?) a nós, mas quando eu estou apaixonado...esta destruição do sentido da vida num materialismo radical e empedernido parece-me uma ingenuidade desnecessária e tonta. O amor não pode ser só humano e imanente, tem que ser labor da transcendência- esta mão suave, morna e carinhosa que me empurra para o Amor; e eu vou resvalando para o Abismo da loucura, com um sorriso terno nos lábios- porque, no fundo deste, estará o Absoluto, o que dá sentido a este ermo gélido, esta paisagem estéril que é a vida humana, o verdadeiro Ser Supremo..., ou seja, quem eu Amo, e será então que o Universo pode ser tomado pela minha medida e preencher completamente a minha Necessidade.







Giorgio de Chirico Hector e Andromache

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