Sunday, November 05, 2006

Deus e o existir


Na sequência de outros posts já aqui publicados sobre a existência de Deus, vou terminar aqui, discutindo a possibilidade ontológica de Deus. Em O Problema, optei por uma perspectiva mais teológica e, depois, em Compreender Deus, em jeito de uma disjunção analítica, tentei opor filosofia e teologia na sua eterna disputa por Deus.
Quem me conhece bem, deve perguntar-se porque é que um agnóstico quase ateu como eu se preocupa tanto sobre a existência de Deus. A resposta é simples: provavelmente porque a Sua existência nem sequer pode ser discutida, logo a minha discussão torna-se utópica. Já Santo Anselmo afirmava que devido ao Seu conhecimento absoluto, ao Seu poder inexorável e à Sua bondade interminável, Deus nem deveria sequer ser pensado. Para este sábio, se alguém consegue escutá-Lo e entendê-Lo, a Ele, que nada pode ser pensado acima Dele, é porque Este consegue existir sozinho na mente. Se Ele pode existir de forma independente na mente, é porque consegue existir também na realidade- para Santo Anselmo era impossível que Deus pudesse existir separadamente na mente e na realidade. É aqui que eu discordo. Nós podemos sempre discernir entre as ideias e as coisas- eu nunca vi dragões, mas tenho a ideia deles. Eu, de facto, como agnóstico tenho uma ideia Dele, mas estou contra a realidade correspondente a essa ideia. Santo Anselmo contrapõe, dizendo que Deus é um caso especial, em que ideia e realidade andam de mãos dadas, ou seja, o conteúdo da ideia tem como consequência que Deus exista. Isto parece-me o argumento da utopia pura, em que se eu sonhar muito pode ser que um mundo perfeito exista algures- ou seja, se a utopia existe no meu entendimento é porque existe mesmo na realidade.
David Hume veio em defesa de Santo Anselmo, mas acho que acabou por destruir o silogismo:

The idea of existence...is the very same with what we conceive to be existent. To reflect on anything simply, and to reflect on it as existent, are nothing different from each other. That idea (of existence), when conjoined with the idea of any object, makes no addition to it.

Eu creio que a fraqueza do argumento de Santo Anselmo reside na afirmação de que Deus é um caso excepcional, que quando nós pensamos Nele, temos que pensar Nele como existente, que Ele existe realmente. Mas a frase de Hume mostra que quando nós pensamos nalguma coisa, mesmo que tenhamos que pensar nisso como existindo, daí não resulta que eu tenha que aceitar que isso existe realmente. Pensar num dragão ou em Deus, segundo o argumento de Santo Anselmo, provaria a existência de ambos. Olhando para a segunda parte da frase: se a ideia de algo não acrescenta nada a esse algo, será que essa ideia é real? Se o as existent não acrescenta nada ao pensamento do Ser Supremo, então o pensamento Dele como existindo terá tão pouco valor como o mero pensamento em si mesmo. Santo Anselmo quis usar o como existindo como ponte entre o pensamento e a existência real de Deus, e o seu argumento colapsou aqui- não é só Deus que pode atravessar esta ponte, mas sim qualquer coisa que seja pensada, no caso de esta poder ser atravessada. Se a ponte não puder ser atravessada por nada, nem mesmo Deus, tem-se o mesmo problema. Seja qual for o sentido em que atravessemos esta ponte epistemológica, ficamos na mesma: Santo Anselmo queria que o argumento ontológico servisse para forçar o conceito de Deus, o que não é possível.
Por tudo isto, não gosto desta frase:

é completamente correcto, racional, razoável e próprio acreditar em Deus mesmo sem qualquer evidência ou argumento a favor

Alvin Plantinga





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