Wednesday, May 17, 2006

O promontório

Como é que possível não sonhar num local como este? Nós sentimo-nos levitar, flutuar para sempre, deixando a humanidade para trás...É o desprendimento que nos agarra e o arrebatamento total que nos absorve.

Cabo da Roca, Fevereiro de 2006

Tuesday, May 09, 2006

O Problema

Se existisse Algo que me garantisse a imortalidade, talvez eu não me sentisse um relâmpago efémero entre duas eternidades de trevas- um Acidente. Como assim deixar de Ser? Será isto o que Unamuno chamava o fundo do abismo, onde o cepticismo mais brutal se une ao desespero mais puro? Também não me agrada aquela resposta típica de que "se Deus não existisse ter-se-ia que inventá-lo". Prefiro olhar para cima, do fundo do abismo, e encontrar uma luz de esperança e iluminar a minha escalada, nem que seja com o fogo da minha Crítica não resignada. Posso, como afirmava Vergílio Ferreira, aceitar que há algo que me excede, com humildade, mas viver com grandeza nessa humildade, e duvidar eternamente, e sonhar... Não é assim a alma humana? Um Louco não resignado, como Dom Quixote, cuja fé se apoia na incerteza e na dúvida, e um Racionalista, como Sancho Panza, inteiro e verdadeiro, que duvida da própria razão- que tanto proclama -, e, por isso, confia na fé, ou seja, no amo.
Alguém pode, e deve, dizer racionalmente que "Deus não existe", mas não pode afirmá-lo, honestamente, com o coração. Não acreditar que Ele existe é uma coisa, ainda que ignóbil, resignar-se com a Sua não-existência outra, ainda que seja pouco natural e pouco humano, talvez, mas não querer que ele exista é uma aberração- uma monstruosidade moral para Unamuno. Na verdade, aqueles que, como eu, O negam é por desespero de não O encontrarem! A fé advém da esperança de acreditar encontrá-lo. Penso que a fé não será acreditar naquilo que não se vê mas sim senti-lo. Porquê ter a fé como conhecimento? Esta nunca poderá sê-lo, só poderá ser sentimento, um puro acto de amor, um acto de amar o que se espera e que nos mata o anseio de imortalidade. Chardin e Unamuno, em especial, defendiam um lado afectivo e sentimental da fé e outro completamente racional e lógico. Eu duvido. Para mim a fé sente-se, não se explica. Como explicar o Amor entre dois seres humanos? Porquê explicá-lo analiticamente com a Razão?- não é ela o instrumento humano com o maior o poder de dissolução, de destruição? Se separo algo em partes para explicar o Todo, destruo a sua Essência e só consigo tornar tangíveis as partes. Ainda bem...
A fé é uma vontade, um movimento em direcção a Algo ou Alguém, que nos faça viver e compreender a vida. Esta, espero, não poderá ser só algo racional, terá que ter algo de quixotesco, de sobrenatural, de louco, irracional. Daí o Amor, procurarmos no Outro o que está para além dele, o Intangível. É só quando nos damos a alguém por inteiro, o nosso Eu, no acto amoroso, que nos desprendemos de nós mesmos, da nossa Essência vital, e tentamos fazer-nos eternos. Morre-se e ressuscita-se no Outro num orgasmo, porque só nos outros nos eternizamos e fugimos da vida terrena. Teleologicamente, este é o papel perfeito para a fornicação...
Amar Deus é invadir os outros, alargar os nossos limites até ao infinito sem quebrá-los. Assim, quando os outros sofrem eu sofro também, Deus sofre- a Noosfera de Chardin. Aumentamos até à dimensão do Universo, até que o nosso minúsculo eu seja o Eu do universo, Deus. Se eu aspiro a esse vasto Eu, amo Deus e ele tem que amar-me, e sofrer por mim, já que eu perpetuo-me na sua Essência e sofro por ele; já para Espinoza a essência de uma coisa consistia na sua luta para ser imortal. Tem-se então a Dor como tentativa de espiritualizar a matéria, fazer com que ela Sinta e Seja. A minha pergunta sempre foi esta: Será que foi por isto que Deus se fez homem em Jesus, sentindo na pele o Sofrimento, e assim o homem fez-se Deus ressuscitando? Na verdade, isto é inadmissível para os Judeus, porque consistiria numa limitação divina, o colocá-lo na vida terrena, daí o homicídio de Jesus- como se alguém pudesse ser filho de Deus, e ser feito da mesma substância. No entanto, já Plotino dizia que a alma não pode estar unida àquilo que ela própria une- corpos e matéria. Então como é que a Alma una, Deus, poderia abarcar o sofrimento universal, sofrendo num só corpo, Jesus? Não compreendo, mesmo com a transubstanciação simbolizada na Eucaristia, em que se prova o corpo de Cristo, para que a alma o absorva e possa sentir o sofrimento eterno e universal.
Não tenho fé, não O amo. E daqui a minha angústia de não consequir acreditar Nele. Será que Ele se me revela na Negação? Quanto mais O nego mais O quero amar e sentir. Não será isto o Amor no Homem? A eterna procura de expectativas mais elevadas? A demanda da Expectativa? No Outro. No Todo. Em Deus. Em Ti, afinal...
Este é o Problema:

Sofro eu à tua custa
Deus não existente, porque se tu existisses
Também eu existia

Augusto Francke

Wednesday, May 03, 2006

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In a mad world, only the mad are sane

Akiro Kurosawa