Wednesday, January 07, 2009

Noite


Era noite. Paulatinamente todos os ruídos se calavam. As nossas palavras tornavam-se raras, como que desnecessárias. Sobrava o nosso amor, a presença partilhada da doçura dessa noite e do Todo. Eu não pensava em nada. Observava-te. Apenas. Uma abóbada de ramos e folhas por cima de nós. Mais além, a luminosidade do céu. O silêncio (o nosso). Já que os poucos ruídos da floresta só tornavam o nosso silêncio ainda mais audível. Deitámo-nos numa alcova de folhas, singela. E, de súbito, estamos só nós. Não há palavras. Não há sentido. Nem perguntas. Há uma evidência. Há uma violência de sentirmos uma felicidade que parece infinita…ou é? O céu estrelado por cima de nós, imenso, imperscrutável, e nada para além dele, apenas essa luz prodigiosa, essa vibração inefável, uma alegria sem sujeito e sem objecto – nada de mais em nós, na noite escura, do que a presença de tudo. Nós os dois, entrelaçados na carne e no sonho. Tudo era simples e sereno. Não precisas são palavras, tudo isto é silêncio e harmonia, é uma experiência de vida. Por isso, não preciso de te dizer o que quer que seja, nem mesmo que desejo que isto não termine. Não há carência, não há expectativa, há a presença pura do presente. A presença de mim em ti. Nada para além do real; do Ser em ti. Não há angústia nem medo, só a reconciliação com o mundo decorrente do facto de estar em ti. Não há questões, só a evidência – a verdade, sem serem usadas frases – só há a imanência de mim em ti e no Todo. Olho para ti e não preciso de desbaratar promessas e construir expectativas, está tudo aqui – entre nós e em nós. A Vida é só isto: a palpitação do ser em mim, veiculada na tua carne. Estremecemos. Terminou o momento em que fomos eternos. Deixámos então a eternidade continuar sem nós. Não importa, porque não sei habitar o absoluto. Sacudimos as folhas secas presas nos cabelos. Mora-nos um sorriso de cumplicidade – a de termos experimentado um momento presente que durou uma eternidade, numa realidade plena, sem anseios ou desejos. Era noite.



Um corpo despido


Gostava de observar o teu corpo despido de palavras. Nem que fossem as mais sublimes. A precariedade semântica que te envolve só reforça a intangibilidade que te é intrínseca. Para expressar o teu corpo um só substantivo. Talvez um verbo, que o animasse. Um adjectivo para qualificá-lo será talvez desconhecido. Na minha boca, ansiosa do teu sopro, soçobram palavras incoerentes, estúpidas e irrecuperáveis – acho que as palavras para vestir o teu corpo não são deste mundo. Quando o teu corpo vibra ouço um roçagar enervante; se ele está despido, será um roçagar de sonhos? Já me tinha esquecido que o amor é uma filigrana metafísica superlativa, que se excede na forma e no conteúdo. Por isso o teu corpo continua rodeado: das palavras mais exuberantes e desajustadas que eu consigo recordar…