Wednesday, January 24, 2007

Amor

Sem palavras...


Amor, amor, amor, como não amam
os que de amor o amor de amar não sabem,
como não amam se de amor não pensam
os que de amar o amor de amar não gozam.
Amor, amor, nenhum amor, nenhum
em vez do sempre amar que o gesto prende
o olhar ao corpo que perpassa amante
e não será de amor se outro não for
que novamente passe como amor que é novo.
Não se ama o que se tem nem se deseja
o que não temos nesse amor que amamos,
mas só amamos quando amamos o acto
em que de amor o amor de amar se cumpre.
Amor, amor, nem antes, nem depois,
amor que não possui, amor que não se dá,
amor que dura apenas sem palavras tudo
o que no sexo é o sexo só por si amado.
Amor de amor de amar de amor tranquilamente
o oleoso repetir das carnes que se roçam
até ao instante em que paradas tremem
de ansioso terminar o amor que recomeça.
Amor, amor, amor, como não amam
os que de amar o amor de amar o amor não amam.

Jorge de Sena



Thursday, January 04, 2007

Mar


A realidade flui, dizia Heraclito. Escorre, avessa a qualquer tipo de tangibilidade. É o que me ocorre sempre que observo o mar. Nunca compreendi o meu fascínio por essa massa de água, em perpétuo movimento, indiferente a qualquer vicissitude humana.
Qual será a verdadeira essência do mar? A sua substância, o seu engodo, afinal?
Será a alegoria mais perceptível do logos pré-socrático, o tal discurso da realidade, que só com humilde sabedoria se torna possível a sua leitura, e não com a petulância típica dos teorizadores da realidade?
Platão aproveitou esta visão de Heraclito para criar o mundo sensível, dos objectos, que flui, com um correspondente mundo ideal, imutável, inacessível (Deus?)- as ideias-, mundo perfeito e tipológico.
Qual será a "ideia" subjacente ao imenso objecto que constitui o mar?
À minha frente, com o mar como pano de fundo, está um casal de namorados a trocar carícias, indiferente ao que tem diante de si. Provavelmente, para eles, e para cada um deles, a realidade agora é momentânea, a sua execução é feita num toque suave dos lábios, nos dedos entrelaçados, num deslizar de uma perna sobre outra. A execução plena é feita num roçar de carnes e, provavelmente, de desejos. Gosto do alheamento deste casal. Provoca. Dilacera a realidade, vivendo no mundo dos sonhos. A mão direita dela está sobre a mão esquerda dele. Por entre os dedos das mãos que restam, a realidade desliza num eterno fluir. Neste pôr-do-sol, o mar estende-se em chamas até ao fim do horizonte. A invulnerabilidade deste mundo sensível está presente no brilho dos olhos dos amantes, que fixam o infinito, esperando que este momento não termine, e que a realidade não mude, pelo menos por enquanto...
Praia Grande 17 Dezembro de 2006