Wednesday, October 22, 2008

A atmosfera está embaciada

A atmosfera está embaciada. Um véu espesso de claridade parda ofusca tudo, alumia até à exaustão. Um sol tímido e enlanguescido reconforta-me, como se eu fosse um espectro, revelado na poalha densa e misteriosa, resultante de uma maresia constantemente empurrada para o continente; como se eu fosse um ente errante, surgido das brumas da própria inquietude. Percorro os meus próprios passos pela areia fresca, repuxados numa nostalgia estéril e recordo; recordo o teu sorriso coalhado na minha imaginação, o fio ardente da tua pele, percorrida pelos meus dedos vacilantes, recordo o sentir-te, de forma fulgurante, numa evidência de carne e osso - é terrível esta totalização de Ti mesma, é o fugir da tua realidade anterior, sonhada num amor único, é a chegada de Ti, como mulher banal, o que torna ainda mais fascinante a tua essência visceral. Continuo a caminhar pela areia; gosto de vaguear perdido na imensidão do meu cansaço de estar sozinho - porque agora, depois de os meus dedos terem deslizado pela tua face, é que eu sinto o absurdo do meu amor irremediável-, gosto de andar assim, de mão dada com a minha própria sombra, a minha companheira inseparável... Gosto da nudez deste céu fresco, tingido do azul perecível do fim da tarde, deste meu abandono para o sem fim da vida, do desejo violento de tudo trespassar, de beber o halo que enche o horizonte...e a atmosfera está embaciada. Pelo meu arfar de um amor insaciável, que tolda a luz que flui infatigavelmente do sol e a molda nas vicissitudes do meu desalento e tristeza, envelhecendo as cores do mundo, em comunhão com a crueldade deste meu sentimento que me dilacera.