Tuesday, June 27, 2006

O mundo livre


Free will existed. Human beings were better than lab rats reacting to stimuli. The world was a fucked-up place. We were all accountable anyway.

James Ellroy

Será como Hobbes afirmava?, que uma liberdade natural no Homem leva-o a uma vontade de poder tal que estaria sempre num estado de guerra contra todos de forma a assegurar o melhor para si?
Eu sempre pensei, como Boécio, que o homem nasceu livre mas vive como numa prisão por vontade própria, é uma vítima que consente e, talvez, o próprio autor da sua servidão. Não entendo a nossa propensão para sermos cúmplices dos tiranos e déspotas deste mundo. No seu Discurso da servidão voluntária Boécio afirma que é devido ao hábito de vivermos sem uma liberdade completa que nos leva a esquecer-nos dela, e a suportarmos o jugo eterno...Será?

Monday, June 26, 2006

A morte nada é

Agora que se aproxima a perda inexorável de um ente querido para mim, volto à pergunta já colocada aqui neste espaço: será a imortalidade da alma a melhor forma de mascarar o que de trágico e absurdo tem a nossa condição? Para quê sonhar um destino humano para tudo Isto? Será a melhor forma de nos libertar da nossa finitude avassaladora- talvez fosse a forma mais fácil, de facto, de aliviar a sensação de aperto que vai crescendo no peito...
Nestas alturas, lembro-me sempre de Lucrécio. No seu materialismo radical tentou não resolver o problema, mas, pelo menos, aliviar o peso da nossa exiguidade cósmica. Não se trata de negar a morte, mas sim ter em conta de forma lúcida os nossos medos e angústias, não se trata de esquecê-la mas sim de ultrapassá-la.
Com Lucrécio, a poesia torna-se serva da filosofia para dissipar os nossos terrores e estabelecer a morte na sua verdade: ela não é nada...


Não, mesmo se o tempo recolhesse a nossa matéria
depois da morte, colocando-a na sua ordem actual,
a luz da vida nos fosse entregue,
não, isso não nos poderia afectar de modo nenhum,
estando a nossa memória desde logo quebrada.
Mesmo hoje, aquilo que nós fomos outrora
não nos é importante, não nos atormenta nada.
Contempla para trás esse espaço imenso
do tempo passado e imagina todos os seus movimentos
da matéria, assim tu te convencerás facilmente:
os átomos que nos formam hoje
ordenaram-se frequentemente na mesma ordem que hoje,
mas a nossa memória não consegue agarrar o passado
porque entretanto a vida marcou uma pausa
e todos os seus movimentos foram cá e lá
vogando na aventura longe da sensação.
Sim, se é preciso haver mal e dor no futuro,
é preciso sofrê-los para que o homem ainda exista.
Porque a morte isso exclui, ao abolir
o ser no qual as tristezas podiam concentrar-se,
seguramente a morte nada tem de temível para nós.
Quem não existe mais não pode ser infeliz
e não importa nada que se tenha nascido um dia,
quando a vida imortal tomou a vida mortal.
(...)
"Tu, pelo menos, tal como estás na morte adormecido,
como tal nunca mais serás, longe de todo o sofrimento.
Mas nós, perto das tuas cinzas, dessa pira horrível,
de forma incansável choraremos e este desgosto
eterno, nenhum dia no-lo arrancará dos nossos corações."
Perguntamos então o que tem tanta amargura,
se ocorre de forma plácida e no sono,
para que se se consuma num luto eterno.
(...)
Mas ninguém tem nostalgia de si mesmo ou da vida
quando o espírito e o corpo estão ambos adormecidos.
Sim, nós aceitaríamos que tal repouso fosse eterno
e que nenhum arrependimento nos atormentasse então.
No entanto, os átomos esparsos no organismo
não se vão perder para longe dos movimentos sensitivos
para que o homem ao despertar se consiga prender a si mesmo.
Concluamos que a morte nos é bem menos ainda,
se pode haver menos do que aquilo que não é verdadeiramente nada.
Maiores são de facto a dispersão e a desordem
da matéria após a morte, e ninguém se reergue
uma vez que tenha vindo a fria pausa da vida.

Lucrécio

Wednesday, June 21, 2006

Nós já estamos no Outro mundo



Será uma ideia terrível a de que nós já estamos noutro mundo? Para Kant esta hipótese metafísica nem precisa de ser demonstrada. Este autor defendia a possibilidade de existência de um mundo imaterial de seres puramente espirituais, a viver em comunidade e acreditava, também, que a experiência física não nos podia dizer nada deste mundo- concordo, porque quando não há experiência possível, a razão entra no delírio e sobram, então, os testemunhos inspirados de visionários e poetas.
Mas como evitar as conjecturas que divagam na metafísica especulativa da alma? Kant, nas Lições de metafísica, propõe aplicar esquemas não válidos para o mundo sensível, com uma tonalidade algo mística. O que sempre me espantou neste texto genial é como Kant consegue desmistificar as visões ingénuas e populares da sobrevivência da alma, do Céu e do Inferno, tornando estas noções possíveis de conhecer, reconduzindo-as no verdadeiro sentido moral.
Para o autor o Outro mundo não está Algures ou no Além, não está em Nenhuma parte, nós é que já estamos no Outro mundo, porque o Outro mundo não difere deste senão pela intuição que se lhe aplica, ele é apenas outra intuição. Tal como numa filosofia platónica, ele é o mundo das coisas em Si- nós só estamos separados desse mundo pela nossa maquinaria sensorial, que nos mascara as ligações espirituais que tornam possível a nossa pertença à comunidade das almas. Logo, o destino da alma não é juntar-se à comunidade destas no Outro mundo- pois ela já lá está-, mas sim desenvolver a intuição intelectual que Lho revelará (o caminho percorrido para este desenvolvimento constitui, para mim, a esfera moral de alguém, ou seja, a vida póstuma, se existe, reflecte a nossa vida moral).
On peut s'imaginer une vie spirituelle pure òu l'âme n'aura plus du tout de corps. Cette dernière opinion est la plus conforme à la philosophie. Car si le corps est un obstacle à la vie, et que la vie furture doit être parfaite, elle doit être intégralement spirituelle. Or si nous admettons une vie intégralement spirituelle, on peut alors de nouveau poser les questions suivantes: Òu est le ciel? Òu est l'enfer? Et quel est le lieu de notre destination future? La séparation de l'âme et du corps ne saurait consister dans un changement de lieu. Car si on l'explique en termes de lieux, je peut me demander, lorsque l'homme est mort: l'âme reste-t-elle encore longtemps dans le corps ou s'en retire-t-elle immédiatement? (...) en quel lieu est-elle? mais toutes ces questions tombent quand on ne pose ni n'explique la présence de l'esprit en termes de lieux. Les lieux ne constituent que des rapports entre des choses corporelles, mais non entre des choses spirituelles. C'est pourquoi il ne faut pas voir l'âme, qui n'occupe pas de lieu, quelque part dans le monde physique. Elle n'as pas de lieu determiné dans le monde physique, elle est dans le monde spirituel. Elle est en liaison et en relation avec d'autres esprits(...).
Nous avons une connaissance du monde physique par l'intuition sensible en tant que celui-ci nous apparaît. Notre conscience est liée à l'intuition animale. Le monde présent est le commerce de tous les objects en tant qu'ils sont intuitionnés dans une intuition actuelle. Mais si l'âme se sépare du corps, elle n'aura pas l'intuition sensible de ce monde, elle n'aura pas l'intuition du monde tel qu'il apparaît mais tel qu'il est. C'est pourquoi la séparation de l'âme et du corps consiste dans la transformation de l'intuition sensible en intuition spirituelle, et c'est cela l'autre monde. L'autre monde n'est donc pas un autre lieu, mais seulement une autre intuition. Pour ce qui est des objects, l'autre monde demeure le même; pour ce qui est des substances, il n'est pas différent, seulement il est object d'une intuition spirituelle (...).
Entrant dans l'autre monde, on n'entre pas dans la communauté d'autres choses, comme on irait sur d'autres planètes; car je suis déjà en rapport avec ces choses, quoique seulement dans un rapport lointain. Au contraire, on reste dans ce monde-ci, mais on a, de l'univers, une intuition spirituelle. L'autre monde n'est donc pas, pour ce qui est du lieu, différent de celui-ci; sur ce point, le concept de lieu n'est absolutement d'aucune utilité. C'est pourquoi l'état de béatitude, autrement dit le ciel, et l'état de misère, autrement dit l'enfer, tout ce que l'autre monde renferme en soi, ne sont pas non plus à chercher dans ce monde sensible; mais plutôt, si j'ai toujours été juste ici-bas, si j'obtiens après la mort une intuition spirituelle de l'univers, et que j'entre dans la communauté d'êtres pareillement justes, alors je suis au ciel. Mais si, selon ma conduite, j'acquiers une intuition spirituelle d'êtres dont la volonté contredit à toutes les règles de la moralité, et que j'échoue dans une telle communauté, alors je suis en enfer.

Kant, Leçons de métaphysique


Não creio que isto seja uma visão minimalista do Outro mundo. Mais do que realista ou materialista, a esta tese está subjacente o nosso poder de conhecimento, de modo a que seja possível definir limites do que se pode conhecer e separá-lo do que se pode especular de uma forma etérea. Recordo-me que Voltaire desprezava esta questão no seu teísmo arrogante: só Deus conheceria a essência da alma, e a Razão não deveria tocar em questões que a ultrapassavam.
Mais do que um postulado modesto, esta visão de Kant do Outro mundo parece-me um princípio de esperança para a eternidade da alma e para um destino humano do Universo.


Wednesday, June 14, 2006

A morte como libertação


La mort est à mes yeux aujourd'hui
Comme la guérison pour le malade,
Comme de sortir après avoir souffert.
La mort est à mes yeux aujourd'hui
Comme le parfum de la myrrhe,
Comme de s'asseoir sous un dais un jour où souffle la brise.
La mort est à mes yeux aujourd'hui,
Comme le parfum du lotus,
Comme de s'asseoir sur la rive du pays de l'ivresse.
La mort est à mes yeux aujourd'hui
Comme le chemin de la pluie battante,
Comme le retour du soldat à la maison.
La mort est à mes yeux aujourd'hui
Comme une éclaircie dans le ciel,
Comme de comprendre une énigme.
La mort est à mes yeux aujourd'hui
Comme le désir d'un homme de revoir sa maison
Après de longues années de captivité.
Le dialogue d'un désespéré avec son ba
Aquilo que parece um poema digno de um existencialismo trágico e brutal, não é mais que uma tradução para francês de um texto popular do antigo Egipto, da XIIª dinastia (1990 AC, mais ou menos). Pode-se considerar ba como um príncipio imaterial que tranporta a "potência" de um ser, como se fosse o seu duplo, independente do corpo (Nicolas Grimal)- este termo egípcio, difícil de traduzir, eu tenho por alma.
De facto, o sentimento trágico da existência humana é algo que atravessa séculos e civilizações e não conhece nem limites temporais ou físicos. Creio que é algo inato à nossa condição.

Tuesday, June 06, 2006

O sofrimento dos outros


Penso que esta bela canção dos Pink Floyd, que é uma banda que eu até não aprecio muito, ilustra como é triste a nossa indiferença em relação ao sofrimento alheio, num mundo que é, afinal, uma casa comum (não gosto do termo aldeia global por motivos políticos).

On the Turning Away

On the turning away
From the pale and downtrodden
And the words they say
Which we won't understand
"Don't accept that what's happening
Is just a case of others' suffering
Or you'll find that you're joining in
The turning away"

It's a sin that somehow
Light is changing to shadow
And casting it's shroud
Over all we have known
Unaware how the ranks have grown
Driven on by a heart of stone
We could find that we're all alone
In the dream of the proud

On the wings of the night
As the daytime is stirring
Where the speechless unite
In a silent accord
Using words you will find are strange
And mesmerized as they light the flame
Feel the new wind of change
On the wings of the night

No more turning away
From the weak and the weary
No more turning away
From the coldness inside
Just a world that we all must share
It's not enough just to stand and stare
Is it only a dream that there'll be
No more turning away?

Gilmour/Moore