Eu creio que quanto mais amava apaixonadamente o meu amigo, mais odiava a morte que mo tinha levado, e a olhava como a minha inimiga mais cruel, imaginando que porque ela mo tinha podido arrebatar, ela arrebataria muito em breve o resto dos homens. Era este o estado miserável em que eu me encontrava. (...) Eu era miserável; não existe coração que, estando comprometido no amor das coisas mortais, não seja miserável, que não seja destroçado quando ele as perde, que não sinta o sofrimento pelo qual ele era já miserável, mesmo antes que as tivesse perdido.(...) Porque donde vinha essa aflição que me penetrava tão facilmente o coração, senão do facto de eu ter dispersado a minha alma sobre a instabilidade de uma areia movediça, ao amar uma pessoa mortal como se ela tivesse sido imortal?(...) É isto que transforma em amargura todas as doçuras que experimentámos antes. É isto que afoga o nosso coração em lágrimas, e que faz com que a perda da vida daqueles que morrem se torne a morte daqueles que permanecem vivos.
Santo Agostinho
Parece que aqui budismo, estóicismo e cristianismo estão de acordo: o amor torna-se insensato e pouco razoável se liga criaturas mortais, pois a separação perfila-se de forma inexorável e, com ela, o sofrimento. Os budistas optam pelo desprendimento das coisas terrenas, os estóicos optavam por um baluarte interior(citadela interior de Marco Aurélio) que os protegesse das relações afectivas com seres essencialmente perecíveis e Jesus Cristo deu a resposta mais poética- o amor"em Deus", que inclui as criaturas que, tanto quanto podem, pela salvação, acedem também elas à imortalidade.
Pascal pensava que era indigno alguém deixar-se amar como se fosse imortal, sabendo que não era mais do que um simples mortal:
(...) porque tudo perece neste mundo, tudo está sujeito ao enfraquecimento e à morte. Como as criaturas perecíveis passam e caminham para o seu fim, a alma é rasgada pelas diferentes paixões que tem por elas e que a tormentam sem cessar; porque a alma, desejando naturalmente repousar naquilo que ama, é impossível que repouse nestas coisas passageiras, porque elas não subsistem e estão num fluxo e movimento perpétuos.
Pascal
Tenho que reconhecer que é aqui que admiro profundamente a pessoa humana de Jesus Cristo. Se para o budista, uma pessoa não é mais do que uma ilusão passageira, um agregado provisório destinado à dissolução e à impermanência; se, para o estóico, o eu está destinado a se fundir na totalidade do cosmos; Jesus promete a imortalidade da pessoa singular, logo que esta esteja salva por Deus- justamente, é pelo amor, não apenas de Deus, não apenas do próximo, mas sim de todos, que a salvação se consegue. Mais uma vez este ser humano excepcional que foi Jesus transforma metafisicamente um problema- o amor, em solução. As almas só são sólidas em Deus, caso contrário desmoronar-se-iam. E assim, ultrapassamos o sentimento de finitude, dando uma excelente resposta filosófica à tragédia da condição humana. E no momento da nossa morte iremos descansados, pois seremos divinos, pelo menos nesse pequeno instante, e sentiremos toda a nossa imortalidade- a nossa e a daqueles que amamos, desde sempre e para sempre.
Salvador Dalí: Cristo de São João da Cruz