O levedar do silêncio
Não consigo mais interpretar este silêncio enervante que impregna a realidade. Desde que te conheci. Vivo desde então numa sombra, numa penumbra de desalento, tornada espessa pela tua indiferença. Quando te vi pela primeira vez, despontaste-me um interesse. Sim, um interesse- não sei se simpatia, amor ou ódio. Várias vezes pensei em correr na tua direcção, num ímpeto absurdo e negligente de te oferecer algo (talvez a minha solidão). Ainda que me pareça que a valorizes mais que tudo. É talvez o âmago do teu sonho solipsista que mais me fascina, ou a emanação indómita de uma arrogância benevolente. Quando jorra a fonte salobra (dos meus olhos), a realidade estremece, líquida- perde os seus contornos nítidos (será que os teve?)-, e a irrealidade de sonhar acordado plasma-se num vapor de realidade (ou lenda), que se liquefaz nas lágrimas salgadas que me chegam aos lábios. Frio. O levedar do sentimento. E o ódio é o amor que não se completou. Ardor. É o levedar do silêncio.
Giorgio de Chirico: Solidão(Melancolia)